100 dias de desencantos
"É espantoso como, no espaço de poucos meses, tanta coisa mudou. Não só nas nossas expectativas mas, principalmente nas nossas atitudes. Apesar de algum debate nos media, de algumas declarações políticas mais fogosas, de alguma indignação localizada, de alguns dirigentes sindicais mais aguerridos, aceitamos como inevitável esta crise e parecemos resignados a sofrê-la. Na esperança, ténue, de que um dia passe. Enchemos bem o peito de ar, fechamos a boca com força e aceitamos que, durante os próximos anos, nos devemos resumir a tentar manter o nariz fora da água, apenas o nariz, sem fazer ondas, sem fazer barulho, sem gritar, sem protestar, sem dar nas vistas, sem viver, ondulando ligeiramente os braços para nos mantermos à tona, sem olhar quem está à nossa volta, concentrando-nos apenas na nossa respiração. A palavra de ordem é, apenas, respirar. Respirar e esperar. Até que passe. Ou até que nos habituemos. Respirar assim só é difícil nos primeiros anos. Depois, habituamo-nos. É uma questão de ritmo."Não é que queiramos, não é que gostemos, mas sabemos que fomos vencidos. Não sabemos quando, nem como, nem por quem, mas sabemos que fomos vencidos. Ê verdade que sonhámos que não íamos ser vencidos mas hoje é evidente que esse sonho não tinha sentido. A derrota era inevitável. Toda a gente diz.Mas isto não é uma crise. Nem é uma simples derrota. Nem sequer é uma guerra. Isto é uma ocupação." VMalheiros in publico